Antes Que o Dia Termine.


segunda-feira, 28 de junho de 2010

(IM)PERFEITA PARA VOCÊ











"Quando eu ainda era um menino, ocasionalmente, minha mãe gostava de fazer um lanche na hora do jantar. E eu me lembro especialmente de uma noite, quando ela fez um lanche desses, depois de um dia de trabalho muito duro.

Naquela noite longínqua, minha mãe pôs um prato de ovos, lingüiça e torradas bastante queimadas, defronte ao meu pai. Eu me lembro de ter esperado um pouco, para ver se alguém notava o fato. Tudo o que meu pai fez, foi pegar a sua torrada, sorrir para minha mãe e me perguntar como tinha sido o meu dia na escola.

Eu não me lembro do que respondi, mas me lembro de ter olhado para ele lambuzando a torrada com manteiga e geléia e engolindo cada bocado.
Quando eu deixei a mesa naquela noite, ouvi minha mãe se desculpando por haver queimado a torrada. E eu nunca esquecerei o que ele disse:
- Baby, eu adoro torrada queimada.

Mais tarde, naquela noite, quando fui dar um beijo de boa noite em meu pai, eu lhe perguntei se ele tinha realmente gostado da torrada queimada. Ele me envolveu em seus braços e me disse:
- Companheiro, sua mãe teve hoje, um dia de trabalho muito pesado e estava realmente cansada. Além disso, uma torrada queimada não faz mal a ninguém. A vida é cheia de imperfeições e as pessoas não são perfeitas. E eu também não sou um melhor empregado, ou cozinheiro! O que tenho aprendido através dos anos é que saber aceitar as falhas alheias, escolhendo relevar as diferenças entre uns e outros, é uma das chaves mais importantes para criar relacionamentos saudáveis e duradouros.

Poderíamos estender esta lição para qualquer tipo de relacionamento: entre marido e mulher, pais e filhos, e com amigos. Não ponha a chave de sua felicidade no bolso de outra pessoa, mas no seu próprio.

As pessoas sempre se esquecerão do que você lhes fez, ou do que lhes disse.
Mas nunca esquecerão o modo pelo qual você as acolheu e valorizou.
"

Não sei quem é o autor do texto acima, mas o considero uma maravilhosa reflexão para a nossa vida, nossos relacionamentos e nossa capacidade de enxergar o outro "apesar de".


"Não se pede carinho, nem amor, nem atenção, nem tempo a ninguém. Se as pessoas gostarem mesmo de nós, acabam por nos dar tudo." (Margarida Rebelo Pinto, in Pessoas como Nós).

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Você ouve os outros?



"Sempre vejo anuciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular.


Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que "... não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma."




Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Aí a gente que não é cego abre os olhos. Diante de nós, fora da cabeça, nos campos e matas, estão as árvores e as flores. Ver é colocar dentro da cabeça aquilo que existe fora. O cego não vê porque as janelas dele estão fechadas. O que está fora não consegue entrar. A gente não é cego. As árvores e as flores entram. Mas - coitadinhas delas - entram e caem num mar de idéias. São misturadas nas palavras da filosofia que mora em nós. Perdem a sua simplicidade de existir. Ficam outras coisas. Então o que vemos não são as árvores e as flores. Para se ver é preciso que a cabeça esteja vazia.



Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso também que haja silência dentro da alma. Daí a dificuldade...



A gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor ... Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração, e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor ...



Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade. No fundo, somos os mais bonitos ...



O longo silência quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silência dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.



Eu comecei a ouvir.



Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silência. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada.



Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.



Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.



Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. (O amor que acende a lua, pág. 65)."

Transcrito (Escutatório - Rubem Alves)



E aí? Você já parou para ouvir alguém, hoje?